sábado, 20 de outubro de 2012

Por que a Deusa?




Acaso precisamos mesmo de outra divindade, de outra religião, de alguma coisa diferente para venerar?
Se existe um Deus, não deveria existir também uma Deusa? Não é disso que trata a Criação – as energias masculinas e femininas juntando-se para criar vida nova? Sem a mulher não pode existir vida nova.
Se os seres humanos foram criados à semelhança do Criador, e existe apenas um Deus masculino, à imagem de quem foram criadas as mulheres? John Bradshaw diz que os filhos observam os pais, seu modelo de comportamento. Se você vive numa cultura em que há apenas um Deus masculino e nenhuma Deusa, onde está o modelo para o feminino? Como as meninas podem aprender a ser mulheres sem a Deusa?
Fui criada à maneira judia nos anos 50, o que significa que fui criada para acreditar num Deus onipotente que criou os homens à sua imagem. Imagens femininas, por outro lado, não eram tão positivas. Levaram-me a acreditar que Eva foi responsável pela expulsão do Jardim do Éden. Perdeu-se o Paraíso por causa de uma mulher, uma serpente e uma maçã. Disseram-me que todas as mulheres sofrem ao dar à luz por causa de Eva. E Lilith, a primeira esposa de Adão, que o abandonou porque não queria deitar-se embaixo dele durante o ato sexual, foi considerada um demônio e raramente é mencionada.
Essa visão de mulher como mal, como bode expiatório, como tentadora e sedutora não era muito enaltecedora para mim como jovem mulher. Assim, fiz o que muitas garotas que se sentem desvalorizadas fazem. Decidi crescer e ser o melhor “homem” para o trabalho. Quem quer ser um bode expiatório? Quem quer ser considerada responsável pela perda do Paraíso?
Muito embora eu reprimisse minha natureza feminina para conseguir ser bem-sucedida num mundo masculino, ainda assim tive dificuldades para engolir os valores judeus-cristãos com que fui educada. Eu não conseguia acreditar que metade do mundo fosse inferior porque era feminina, isto é, não criada à imagem e semelhança de Deus. Eu precisava descobrir a verdade.
Muitos anos e muitos livros depois, descobri que, antes do patriarcado e do Deus masculino, houve uma Deusa que todos os povos da antiguidade veneravam e respeitavam. Descobri que houve uma época em que as mulheres tinham poder. E descobri que a história é o relato de uma tomada hostil do poder da civilização da Deusa pelos Deuses guerreiros masculinos. Finalmente, eu havia chegado à verdade.
O que essa descoberta fez por mim foi confirmar o meu ser feminino. Sim, houve e há uma Deusa, e fui criada à imagem dela. Por fim, descobri modelos de papéis femininos. Eu podia ser qualquer coisa e fazer qualquer coisa porque isso fazia parte de ser uma mulher.
É importante que as mulheres recuperem a Deusa – não apenas uma Deusa, mas todas elas. Quanto mais Deusas conhecermos, mais poderemos celebrar, honrar e respeitar a diversidade do espírito feminino. Se festejarmos, honrarmos e respeitarmos a diversidade das Deusas, então poderemos fazer o mesmo por nós.
Por que a Deusa? Porque somos mulheres, mulheres diferentes, que precisam ver o Feminino Divino refletido de volta para nós – de nós para nossas Deusas e delas para nós. Porque todas as mulheres são a Deusa, e está na hora de nos vermos dessa maneira.
Depois de muitos anos entrando em contato com a Deusa, ajudando cursos e grupos para o fortalecimento das mulheres e conduzindo cursos para iniciação para sacerdotisas xamânicas, a artista Hrana Janto perguntou-me se eu gostaria de juntar-me a ela na criação de um baralho de cartas da Deusa. O convite veio num momento difícil para mim, quando eu estava lutando com o fim de um relacionamento íntimo de 23 anos e com o afastamento de minha família.
Quando mergulhei entusiasmada no projeto, vi-me engolida por uma dor que eu não havia digerido completamente. Meu sistema imunológico sofreu danos. Caí em depressão. Sentia-me fragmentada e fraca, uma vítima, e estava muito zangada. Como poderia escrever sobre totalidade?
Se ia escrever sobre o caminho para a totalidade por meio da Deusa e do ritual, decidi que eu mesma deveria vivenciá-la diretamente antes de tudo. Resolvi deixar que a Deusa me ajudasse a tecer novamente a trama no tecido do meu ser. Decidi render-me a ela.
Todos os dias eu extravasava minha dor tocando tambor. A saúde passou a ser minha prioridade. Desci aos lugares mais sombrios e dancei com aquelas forças arquetípicas da dor e do horror no espaço ritualístico, até ouvir a voz da Deusa. A voz era de Kuan Yin. Ela me contou que meu enigma se relacionava com a compaixão. Então apareceu a Senhora das Feras, que disse que os relacionamentos não significam apenas dor. Em seguida, veio Pachamama, que prometeu estar sempre comigo.
Lamentei não ter sido capaz de tomar conta de mim mesma. Foi isso que me trouxe a dor. Pedi desculpas a mim mesma, pois merecia essa dor que eu mesma e mais ninguém havia criado. Continuei a analisar todas as partes da minha personalidade que me haviam trazido até aqui. Assim que consegui fazer isso, fui capaz de dançar a dança curativa de reverenciar a dádiva oculta no sofrimento, uma dança que continuo a dançar.
No momento em que pensei estar livre do perigo, encontrei minha alma gêmea e fui jogada novamente ao fogo para mais purificação. Fiquei doente durante quatro meses, até Sulis me ajudar a curar a mim mesma.
Em seguida as Erínias explicaram que, quando meu parceiro está em crise, eu estou em crise. Ouvi Hathor me dizer para lembrar de me dar algum prazer.Cerridwen falou comigo sobre a morte e o renascimento. Durga ajudou-me a estabelecer limites mais definidos. Todas elas vieram. Todas as Deusas. Enquanto aprendia algo com cada uma delas, e sobretudo comigo mesma, compreendi que sou um todo.
A jornada rumo à totalidade não é algo que se possa fazer da noite para o dia. É uma dança composta de vários passos, com muitos parceiros, muitas voltas e rodopios, muitas músicas, muitos estilos. Ela é imprevisível. E leva tanto tempo quanto for necessário.
Totalidade é tudo que faz parte do modo como vivemos nossa vida. É o modo como enfrentamos os desafios e o que fazemos com eles. Totalidade é como dançamos a dança da vida. Dançamos com graça e felicidade? Ou dançamos com resistência e dificuldade? A nossa dança é aérea ou terrena? Fogosa ou aquática?
A única coisa previsível na vida é que seremos desafiadas. É dessa forma que crescemos e evoluímos. Como responder e o que fazer com esses desafios somos nós que decidimos. A totalidade começa quando reconhecemos isso e fluímos com esse conhecimento.
Totalidade diz respeito a reintegrar os aspectos da personalidade. Não podemos ser inteiras quando temos aspectos ocultos de nós mesmas no que Jung chamou de sombra. Não podemos ser um todo quando achamos aspectos de nosso ser tão inaceitáveis que os mantemos num compartimento com o rótulo “não abra por 10 mil anos”. A totalidade começa quando podemos chamar todas as nossas partes de volta para casa – as escuras e as claras, as “boas” e as “más”, as agradáveis e as desagradáveis – e oferecer-lhes uma festa de boas-vindas.
Totalidade diz respeito à força. É a capacidade de ser flexível diante dos desafios da vida. A totalidade é esse espaço que temos à nossa volta que nos dá a possibilidade de manobrar e encontrar respostas. Totalidade é um modo de viver que usa tudo o que recebemos. É um modo de ver a vida que é transformador e ativo, em vez de estático e passivo.
Os desafios para alcançar a minha totalidade continuam, e agora eu sei que eles nunca cessarão. Aprendi que querer ser íntegra traz desafios constantes que tenho de aceitar e acolher no círculo de totalidade que eu busco. Preciso desses desafios para fortalecer e criar minha totalidade. Totalidade não é um destino, mas uma jornada de transformação.

Amy Sophia Marashinsky