quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O Gato, Grão-Mestre da Sabedoria




"Você tem um gato? Se fosse no Antigo Egito, diriam que você é uma pessoa afortunada: haveria um Deus morando em sua casa. Mais propriamente, uma Deusa, Bastet, a Deusa-gata. Observar o comportamento do gato é ter uma lição de sabedoria..."

A associação do gato com os humanos já tem pelo menos 10 mil anos, idade das primeiras representações encontradas na ilha de Chipre que mostram esse pequeno felino em estreito convívio conosco. Provavelmente, sua domesticação ocorreu muito antes. A subfamília Felinae, que agrupa os gatos domésticos, surgiu há cerca de 12 milhões de anos, expandindo-se a partir da África subsaariana até alcançar as terras do atual Egito. Existem hoje cerca de 250 raças de gato-doméstico, e todas elas são uma adaptação evolutiva dos gatos selvagens.

Como quase tudo na vida humana, no início a importância da presença dos gatos entre nós deu-se sobretudo por razões práticas. Quando as populações humanas deixaram de ser nômades, a vida das pessoas passou a depender substancialmente da agricultura. A produção e armazenamento de cereais, porém, acabou por atrair roedores. Foi nesse momento que os gatos vieram a fazer parte do nosso cotidiano. Por possuírem um forte instinto caçador, esses animais espontaneamente passaram a viver nas cidades e exerciam uma importante função na sociedade: eliminar os ratos e camundongos que invadiam os silos de cereais e outros lugares onde eram armazenados os alimentos.

Registros encontrados no Egito, como gravuras, pinturas, múmias e estátuas de gatos indicam que a relação desse animal com os egípcios data de pelo menos 5 mil anos. Elementos encontradas em escavações mostram que, nessa época, os gatos eram venerados e considerados animais sagrados. Bastet, deusa da fertilidade e da felicidade, considerada benfeitora e protetora do homem, era representada na forma de uma mulher com a cabeça de um gato. Na verdade, o amor dos egípcios por esse animal era tão intenso que havia leis proibindo que os gatos fossem "exportados". Qualquer viajante que fosse encontrado traficando um gato era punido com a pena de morte. Quem matasse um gato era punido da mesma forma e, em caso de morte natural do animal, seus donos deveriam usar trajes de luto.

Não tardou para que alguns animais fossem clandestinamente transportados para outros territórios, fazendo com que a popularidade dos gatos aumentasse. Ao chegarem à Pérsia antiga, também passaram a ser venerados e havia a crença de que, quando maltratados, corria-se o risco de estar ofendendo um espírito amigo, criado especialmente para fazer companhia ao homem durante sua passagem na Terra. Desse modo, ao prejudicar um gato, o homem estaria atingindo a si próprio.

Devido ao fato de serem exímios caçadores e auxiliarem no controle de pragas, por muitos séculos os gatos tiveram uma posição privilegiada na Europa cristã. Porém, no início da Idade Média, a situação mudou: também os gatos foram vítimas de uma das várias paranoias cristãs que assolaram o mundo naqueles tempos. Certamente por causa do seu comportamento esquivo e independente, os gatos foram acusados de estarem associados ao demônio e a maus espíritos e, por isso, muitas vezes foram queimados juntamente com as pessoas acusadas de bruxaria. Aconteceram muitos massacres de gatos nas cidades europeias e, até hoje, ainda existe o preconceito de que as bruxas têm um gato preto de estimação, sendo esse animal associado aos mais diversos tipos de sortilégios; dependendo da região, porém, podem ser considerados animais que trazem boa sorte.

Ao fim da Idade Média, a aceitação dos gatos nas residências teve um novo impulso, fenômeno que também se estendeu às embarcações, onde os navegadores os mantinham como mascotes. Conhecidos como gatos de navios, esses animais assumiam também a função de controlar a população de roedores a bordo da embarcação. Com o passar do tempo, muitos gatos passaram a ser considerados animais de luxo, ganhando uma boa posição do ponto de vista social, sendo até utilizados como "acessórios" em eventos sociais pelas damas. Nessa época, o gato começou a passar por melhoramentos genéticos para exposições, começando assim a criação de raças puras, com pedigree. Uma das primeiras raças criadas para essa finalidade foi a persa, que ficou conhecida após sua introdução no continente europeu, realizada pelo viajante italiano Pietro Della Valle.

A primeira grande exposição de gatos aconteceu em 1871, em Londres. A partir desse momento, o interesse em se expor gatos desenvolvidos dentro de certos padrões propagou-se por toda a Europa. Atualmente, os gatos são animais bastante populares, servindo ao homem como um bom animal de companhia, e ainda continuam sendo utilizados por agricultores e navegadores de diversos países como um meio barato de se controlar a população de determinados roedores. Devido ao fato de sua domesticação ser relativamente recente, quando necessário convertem-se facilmente à vida selvagem, passando a viver em ambientes silvestres, onde formam pequenas colônias e caçam em conjunto.

Um aspecto pouco conhecido dos gatos é o fato de serem considerados verdadeiros “mestres de sabedoria” por várias tradições religiosas e espirituais, sobretudo no continente asiático. No Japão, fala-se de um mestre zen budista que aconselhava seus discípulos – sobretudo os mais agitados e inquietos – a passar horas observando o comportamento dos gatos. Esse guru acreditava que integrar em si mesmo certas qualidades dos gatos melhora nossa saúde física e moral. Aqui estão algumas das lições que os gatos, pela sua simples maneira de existir, podem nos ensinar:

Cuidar bem do próprio corpo

O gato passa mais da metade do seu tempo a dormir, a sonhar, a cuidar da sua toalete e da sua higiene. Ele é dono de uma ciência inata dos alongamentos e relaxamentos; é capaz de praticar, de maneira totalmente relaxada, corridas rápidas e saltos mortais. O gato não precisa, como muitos de nós precisamos, frequentar academias de ginásticas e de ioga para exibir um corpo perfeito – mas ele nos incita a fazê-lo. Com sua simples presença, o gato age sobre nós como uma espécie de bálsamo: dizem que acariciá-lo faz baixar nossa pressão arterial; seus trejeitos nos fazem rir, diminuir nosso estresse e a insônia. Não à toa os egípcios fizeram dele o “guardião do sono”.

Saborear cada minuto

O gato ignora o futuro e vive intensamente o instante presente. Ele é um hedonista que nos mostra o prazer inefável de uma siesta após a refeição, de um agrado oferecido por uma mão amiga, de um passeio no jardim, de um carinho oferecido olhos nos olhos. O gato não precisa das palavras dos filósofos para nos fazer entender que cada minuto deve ser vivido e saboreado como se fosse o último.

Escolher a liberdade

Opor a fidelidade do cão à independência e ao “egoísmo” do gato é apenas um lugar comum. O cão é um animal de matilha que aceita receber ordens e ser o último elo de uma cadeia familiar; o gato ignora a hierarquia e nos considera como parceiros. Animal igualitário e de forte personalidade, o gato nos inculca dois princípios, obrigando-nos a nos interrogar sobre as noções de propriedade e de individualidade: ele coloca o compartilhar fraternal e o respeito ao outro apesar de suas diferenças. Sua fidelidade – bem real – será conquistada se você demonstrar q eu compreendeu bem a lição.

Permanecer zen

O olhar do cão transmite segurança; o do gato leva à introspecção. Que podemos decifrar nessas “pupilas místicas”, como cantava o poeta Baudelaire? Os celtas viam nelas a porta de um outro mundo: o brilho verde que refulge nas trevas nos lembra que essa cor foi com frequência ligada ao mundo sobrenatural. Quem possui um gato tem em casa um velho sábio. Observe-o: o gato só se enerva quando o incomodamos no momento em que se dedica a alguma atividade importante – o sono, o devaneio, a caça ou a toalete. Caso contrário, ele permanece sempre a imagem viva da meditação e do domínio de si mesmo. “A ideia da calma é um gato sentado”, dizia o escritor Jules Renard. Permanecer zen em todas as circunstâncias, eis talvez a principal lição que o gato nos proporciona.

Brincar para esquecer de envelhecer

O gatinho aprende desde as suas primeiras semanas de vida as sutilezas coreográficas daquilo que chamamos brincar, mas que para ele são já os rudimentos das técnicas de caça que lhe serão necessárias para sobreviver no futuro. Idoso, cego, cansado e até mesmo estropiado, o gato nunca se queixa dos males que o atazanam e continua a vigiar, a dissimular, a tentar uma pirueta ou um certeiro golpe de pata. Trata-se de uma maneira de nos fazer entender que o essencial para afastar a velhice é não deixar nunca de participar, de aprender, de seduzir, de acalentar novos projetos.

Sem esquecer nunca um velho provérbio chinês: “Quem nunca segurou longamente a pata do gato ignora aquilo que o gato pensa”. 

Fonte: Brasil 247.com