quinta-feira, 13 de agosto de 2015

As Dádivas da Deusa Hécate

'Hecate' by Genevieve-Amelia
 
O dia 13 de agosto era uma data importante no antigo calendário greco-romano, dedicada às celebrações das Deusas Hécate e Diana, quando lhes eram pedidas bênçãos de proteção para evitar as tempestades do verão europeu que prejudicassem as colheitas. Na tradição cristã comemora-se no dia 15 de agosto a Ascensão da Virgem Maria, festa sobreposta sobre as antigas festividades pagãs para apagar sua lembrança, mas com a mesma finalidade: pedir e receber proteção. Com o passar do tempo, perdeu-se o seu real significado e origem e preservou-se apenas o medo incutido pela igreja cristã em relação ao nome e atuação de Hécate. Esta poderosa Deusa com múltiplos atributos foi considerada um ser maléfico, regente das sombras e fantasmas, que trazia tempestades, pesadelos, morte e destruição, exigindo dos seus adoradores sacrifícios lúgubres e ritos macabros. Para desmistificar as distorções patriarcais e cristãs e contribuir para a revelação das verdades milenares, segue um relato dos aspectos, atributos e poderes da deusa Hécate.
      
Hécate é uma antiga deusa de mitos milenares pré-helênicos, cultuada originariamente na Trácia como a representação arcaica da Deusa Tríplice; ela era associada com a noite, lua negra, magia, profecias, cura e os mistérios da morte, renovação e nascimento. Algumas fontes atribuem a origem do nome à palavra egípcia hekat ou hequit que significaria "Todo o poder", já que supostamente o arquétipo de Hécate teria se originado em mitos do sudoeste asiático que foram assimilados no panteão egípcio e mais tarde passados para a religião greco-romana. Hequit era a manifestação da Grande Mãe originária de Núbia, Samotracia e Colchis, vultuada em Aegina, Argos e Atena, regente dos partos, das mulheres e crianças, da magia, da sabedoria dos ciclos da vegetação e da vida. O termo heq ou hek designava as mulheres idosas e sábias, as matriarcas das tribos.
 
Os gregos tiveram dificuldades para enquadrá-la em seu esquema de divindades, mas acabaram considerando-a filha dos Titãs Perseu e Astéria (irmã de Leto, a mãe de Ártemis e Apolo), sendo, portanto, prima de Ártemis. Por ser filha de Titãs estelares, regentes da luz, Hécate usava uma tiara de estrelas que iluminava os escuros caminhos da noite, bem como a vastidão da escuridão interior. Mitos mais antigos lhe atribuíram uma origem mais primal, como filha de Erebo e Nix e ela era conhecida como Afratos, “A sem nome” e Pandeina, “A terrível”, decrita com cabelos de serpentes e um colar de testiculos. Como a única Titã que preservou seu pleno poder, Hécate era honrada como "A primeira e a ultima", "Aquela sem forma e de todas as formas", a própria alma do universo, Criadora de tudo que existia. Como neta de Febe, a Titã que personificava a Lua e de Nyx, a deusa ancestral da noite, Hécate também era uma “Rainha da Noite” tendo o domínio do céu, da Lua, das marés e sendo indutora dos sonhos e dos pesadelos. Neste aspecto ela levava sobre a testa o crescente lunar (a tiara chamada de pollos), uma ou duas tochas nas mãos e serpentes enroladas no seu pescoço.

Acreditava-se que Hécate fora outrora uma das Erínias, pois seus símbolos são idênticos (tochas, serpentes, sombras, etc). Também já foi citada como uma das Moiras, pois tanto Hécate, quanto sua filha Circe, podia intervir nos fios do Destino.
Sua verdadeira origem permanece bastante misteriosa, caracterizada mais pelas suas funções e os seus atributos do que pelas lendas em que aparece. Os mitos gregos relatam que Zeus lhe concedeu um lugar especial entre os deuses, embora ela não pertencesse ao grupo olímpico, mas aos Titãs, e respeitou seu antigo poder de dar ou negar suas dádivas aos mortais. Hécate ficou conhecida como Hécate Trivia ou Triformis, a regente do céu, da terra, do mar e do mundo subterrâneo, doadora da riqueza e das bênçãos da vida cotidiana. Na esfera humana ela presidia os três grandes mistérios: nascimento, vida, morte e regia o poder de transformação e regeneração. Por ter uma origem muito antiga e cuja essência e significado foram se modificando com o passar do tempo, ela foi equiparada com outras deusas e delas assimilou e incorporou atributos e mitos, o que explica a grande diversidade de nomes e dons atribuídos a Hécate.
 
Hécate espalhava para todos os homens a sua benevolência, concedendo as graças para os que lhe pediam como: prosperidade material, o dom da eloquência nas políticas, a vitória tanto nas batalhas, quanto nos jogos. Proporcionava peixe abundante aos pescadores, fazia prosperar ou definhar o gado conforme queria. Os seus privilégios estendiam-se a todos os campos ao invés de se limitar a alguns como era, em geral, com as outras divindades. Hécate era invocada particularmente como a "deusa que nutria a juventude”, em pé de igualdade com os gêmeos Ártemis e Apolo e como a protetora das crianças, sendo também enfermeira, parteira e curandeira de jovens e de mulheres.
    
Hécate, em grego, significa “A distante” ou “A remota”, por proteger os lugares ermos e remotos, sendo a guardiã das estradas, dos viajantes, pescadores, marinheiros e dos caminhos, principalmente das encruzilhas onde convergiam três caminhos. Nestes locais, os gregos percebiam melhor a presença de Hécate, por isso lhe ergueram estátuas tricéfalas chamadas Hecaterion e deixavam oferendas dos seus alimentos ritualísticos, as famosas “ceias de Hécate”. Acredita-se que o termo
Hecatéias atribuído às estátuas, na realidade designava as sacerdotisas oraculares que serviam nestes locais. Os dias dedicados á Hécate eram o fim do mês, as sextas feiras (principalmente se fossem nos dias treze), os eclipses, 13 de agosto e 16 de novembro. Atualmente grupos neo-pagãos a reverenciam no sabbat Samhain, na “Noite das ancestrais” e no Dia dos Finados.

Antigamente, as mulheres que a cultuavam pintavam suas mãos e pés com hena e colocavam o símbolo da lua tríplice nas suas testas e a reverenciavam ajoelhadas, abrindo os braços e elevando a cabeça para o céu, em seguida colocando as mãos no chão, abaixando a cabeça e tocando a terra com a testa. Hécate era invocada antes das mulheres saírem das suas casas e para afastar as energias negativas a soleira da casa era varrida da esquerda para a direita, de dentro para fora, a vassoura sendo um antigo e poderoso objeto mágico Nos tempos antigos faziam-se sacrifícios de animais de cor negra como cachorros, carneiros ou aves. Todos os animais selvagens e as aves noturnas eram consagrados a Hécate, o que aponta para a sua descendência do arquétipo neolítico da "Senhora dos Animais" e a sua manifestação arcaica como o “cão da lua”. A sua aparição era assinalada pelo latido dos cachorros, o uivo dos lobos e o farfalhar das corujas e morcegos.

As oferendas feitas pelas mulheres incluíam maçãs e romãs (representando a morte e o renascimento), alho (proteção contra as energias negativas), mel (para atrair doçura), azeite (para fluir melhor com a vida), vinho (como gratidão) e bolos de centeio com sementes de papoulas (para propiciar prosperidade). O espelho negro, uma espiral diferente chamada de eixo de Helike e uma esfera dourada no meio com uma safira eram seus objetos mágicos menos conhecidos, mas muito significativos por representar a visão sutil e a proteção nos labirintos da vida.

Como descrição simbólica da natureza tríplice da Deusa, Hécate era representada como três mulheres juntas, porém cada uma virada para uma direção ou com idades diferentes (jovem, madura, anciã), uma figura com três cabeças e seis braços portando tochas ou com cabeças características de animais como cão, serpente e leão ou leão, serpente e cavalo ou cão, serpente, cervo. Ela transmitia o poder de olhar para três direcções ao mesmo tempo e sugeria que algo no passado estava ligado com o presente e influenciando planos futuros. As três faces passaram a simbolizar seu poder sobre: o mundo subterrâneo, onde morava, ajudando à deusa Perséfone a julgar os mortos, a terra, onde rondava nas luas novas e nas noites escuras e o mar, onde tinha seus casos de amor. Esse tríplice poder de Hécate é comparável ao seu tríplice domínio sobre o mar, a terra e o céu. Seus símbolos eram a chave, por ela ser a Guardiã do mundo subterrâneo, detentora dos segredos da magia e da reencarnação, o chicote ou a corda trançada, que revelava o seu lado punitivo e seu papel de Condutora das "almas errantes" (a missão do psicopompo), o cordão umbilical, bem como o poder de medir, amarrar ou soltar e o seu punhal, representando seu poder eterno sobre morte e na magia (transformado depois no athame das feiticeiras e bruxas). A sua morada era nas grutas e cavernas e ela perambulava pelos cemitérios à procura das "almas errantes" para conduzi-las ao seu reino subterrâneo. Suas acompanhantes eram as Erinias ou Fúrias (as deusas que puniam os transgressores das leis e os que ofendiam as mães), Empusas (espectros), Circe, Medeia e Silla (feiticeiras), Cercopsis (espíritos zombeteiros) e Mormo (mortos vivos), que constituíam uma legião noturna acompanhada na sua passagem - durante as tempestades ou nas noites escuras-, do latido ou uivo dos cães. Os deuses companheiros eram: Hermes (protetor dos viajantes e condutor das almas), Tanatos (morte), Hipnos (sono) e Morfeu (sonhos).

Pouco a pouco, a deusa Hécate adquiriu uma caracterização diversa, sendo considerada como uma Deusa Escura, que presidia a magia e os feitiços, ligada ao mundo das sombras e que aparecia aos magos e às feiticeiras com um archote em cada mão, ou sob a forma de diversos animais: égua, cadela, coruja ou loba. É a ela que foi atribuida a invenção da feitiçaria, e a lenda incorporou-a na família das magas por excelência: Circe e Medéia, Circe sendo filha de Hécate e ora mãe, ora tia de Medéia.
   
Desde épocas primevas, antes do patriarcado se ter estabelecido, Hécate era vinculada com o lado escuro da Lua, mas a sua presença era percebida e honrada nas três fases da Lua. A Lua na verdade não tem luz própria, é um astro escuro que apenas reflete a luz solar. A Lua cheia é a Lua vista pela luz do Sol, a Lua nova e negra é a verdadeira face da Lua. Hécate era considerada como fazendo parte de uma triplicidade lunar: Ártemis, a lua crescente, Selene, a lua cheia e Hécate a lua minguante e negra; ou como as forças da Lua em vários reinos: Ártemis na terra, Selene no céu e Hécate no mundo subterrâneo. No ciclo das estações e das fases da vida feminina Hécate formava uma tríade divina juntamente com: Kore/Perséfone/Proserpina/Hebe, que presidiam a primavera, fertilidade e juventude, Deméter/Ceres/Hera, as regentes da maturidade, gestação, parto e colheita.

É fácil perceber o entrelaçamento entre o claro e o escuro da Lua, pois o lado visível da Lua, o aspecto de Ártemis, que reflete o pulsar da vida, é ligado com o lado oculto, sombrio, o inconsciente representado por Hécate. Dentro do mundo subterrâneo - representado pelo ventre fértil da terra -, a vida e a morte coexistem em um mesmo processo cíclico, em que o “ser” e o “não ser” vivem juntos, sem conflito. A conexão com Hécate nos revela os sonhos guardados, os desejos ocultos, os segredos do inconsciente e revela o potencial latente para a fertilização de novas possibilidades. Por isso Hécate é vista como uma guia no reino oculto da alma e invocada nas terapias de regressão, renascimento e nos rituais de transmutação de medos, fobias, apegos e culpas.
    
Na sua manifestação como ”Senhora das encruzilhadas” - dos caminhos e da vida - e do mundo subterrâneo, Hécate é um arquétipo primordial do inconsciente pessoal e coletivo, que nos permite o acesso às camadas profundas da memória ancestral. É representada no plano humano pelo xamã que se movimenta entre os mundos, pela vidente que olha para passado, presente e futuro e pela curadora que transpõe as pontes entre os mundos e traz comunicações espirituais para a cura e regeneração dos seus semelhantes. Ela rege os processos misteriosos do ciclo do “eterno retorno”, a vida, a morte e o renascimento sendo entrelaçados no processo alquímico da transmutação.
        
Devido à sua natureza multiforme e misteriosa e à ligação com os poderes femininos “escuros”, as interpretações patriarcais distorceram o simbolismo antigo desta deusa protetora das mulheres e enfatizaram seus poderes destrutivos ligados à magia negra (com sacrifícios de animais pretos nas noites de lua negra) e aos ritos funerários. O desenvolvimento no período clássico da sociedade patriarcal deu origem a uma visão dualista das forças espirituais, vistas em um perpetuo embate entre as positivas e negativas, o bem e o mal. Hécate tornou-se o alvo predileto da personificação do mal e foi recebendo uma aura de perigo misterioso, de horror e negatividade demoníaca. Ela foi transformada na “Rainha das bruxas”, responsável por atos de maldade, missas negras, desgraças, tempestades, mortes de animais, perda das colheitas e atos satânicos. A percepção distorcida dos atributos de Hécate foi consolidada na psique ocidental durante o período medieval, quando a igreja cristã projetou este arquétipo nas pessoas pagãs do campo, que seguiam seus antigos costumes e rituais ligados à fertilidade, declaradas “malévolas adoradoras do demônio”, bandos de bruxas praticantes de ritos e cerimônias abomináveis, nas noites escuras e em certas datas tidas como maléficas. Estas invenções tendenciosas levaram à perseguição, tortura e morte pela Inquisição de milhares de “protegidas de Hécate” como as curandeiras, parteiras e videntes, mulheres “suspeitas” de serem Suas seguidoras e os animais a Ela associados (cachorros e gatos pretos, corujas).

No intuito de abolir qualquer resquício do Seu poder, Hécate foi caricaturada pela tradição patriarcal como uma bruxa perigosa e hostil, à espreita nas encruzilhadas nas noites escuras, buscando e caçando almas perdidas e viajantes com sua matilha de cães pretos, levando-os para o escuro reino das sombras vampirizadoras e castigando os homens com pesadelos, poluções noturnas e perda da virilidade. As imagens horrendas e chocantes são projeções dos medos inconscientes masculinos perante os poderes “escuros” da Deusa, padroeira da independência feminina, defensora contra as violências e opressões das mulheres e regente dos seus rituais de proteção, transformação, autodefesa e afirmação.
                                     
Os treze aspectos de Hécate:
 
1. Chtonia, a anciã senhora do mundo subterrâneo.
2. Cratais, a poderosa.
3. Enodia, a guardiã dos caminhos e viagens.
4. Kleidachos, a guardiã das chaves.
5. Kourotrophos, a guardiã dos nascimentos e das crianças.
6. Phosphoros, a detentora da tocha que ilumina.
7. Propolos, a guia e companheira que conduz.
8. Propylaia, a protetora das portas e entradas.
9. Prothiraia, a parteira e protetora dos partos.
10. Prytania, a rainha dos mortos.
11. Soteira, a salvadora e redentora.
12. Trivia ou Trioditis, a senhora das encruzilhadas.
13. Triformis ou Trimorphis, a deusa tríplice, com três formas.
 
Hécate Triformis como “Senhora da magia” confere o conhecimento dos encantamentos, palavras de poder, poções, rituais e adivinhações àqueles que A cultuam. No aspecto de Antea, a “Guardiã dos sonhos e das visões”, tanto pode enviar visões proféticas, quanto alucinações e pesadelos, se as brechas individuais permitirem. Como Prytania, a “Rainha dos mortos”, Hécate é a condutora das almas e sua guardiã durante a passagem entre os mundos, mas Ela também rege os poderes de regeneração, sendo invocada no desencarne e nos nascimentos como Protyraia, para garantir proteção e segurança no parto, vida longa, saúde e boa sorte. Hécate Kourotrophos cuida das crianças durante a vida intrauterina e no seu nascimento, assim como fazia sua antecessora egípcia, a parteira divina Hequit. Possuidora de uma aura fosforescente que brilhava na escuridão do mundo subterrâneo, Hécate Phosphoros é a guardiã do inconsciente e guia das almas na transição, enquanto as duas tochas de Hécate Propolos, apontadas para o céu e a terra, iluminam a busca da transformação espiritual e o renascimento, orientado por Soteira, a "Salvadora". O seu aspecto Chtonia é da deusa anciã, detentora de sabedoria, padroeira do inverno, da velhice e das profundezas da terra. Hécate Trivia e Trioditis, protetoras dos viajantes e guardiãs das encruzilhadas de três caminhos, recebiam dos Seus adeptos pedidos de proteção e as oferendas chamadas “ceias de Hécate”. Propylaia era reverenciada como guardiã das casas, portas, famílias e bens pelas mulheres, que oravam na frente do altar antes de sair de casa, pedindo sua benção. As imagens antigas colocadas nas encruzilhadas ou na porta das casas representavam Hécate Triformis ou Tricephalus como um pilar ou estátua com três cabeças e seis braços que seguravam suas insígnias: tocha (para iluminar o caminho), chave (abria os mistérios), corda (conduzia as almas e reproduzia o cordão umbilical do nascimento), foice (para cortar ilusões e medos).
 
No atual renascimento das antigas tradições da Deusa, compete aos círculos sagrados femininos resgatar as verdades milenares, descartando e desmascarando imagens e falsas lendas, que apenas encobrem o arcaico medo patriarcal perante a força mágica e o poder ancestral feminino e que podia levar as mulheres a desenvolver um sentido de independência perante o masculino. A civilização patriarcal incutiu um medo secular nas mulheres perante a figura distorcida de Hécate, vista como uma bruxa terrível, malévola e perigosa. Mas, se resgatarmos as suas qualidades e atributos antigos, encontraremos nela uma gentil guardiã e compassiva mestra. Ela está presente em todas as encruzilhadas tríplices que existem em todos os níveis do nosso ser representados como espírito, mente e corpo. Devemos reconhecer que a imagem tenebrosa e ameaçadora de Hécate é um mero registro do medo inconsciente do feminino que os homens condicionados e programados por conceitos e valores patriarcais unilaterais, projetaram ao longo de milênios neste arquétipo.
 
Temos que mergulhar no lado sombrio do nosso inconsciente, compreendê-lo e aceitá-lo integrando-o na nossa psique. Pois, se o evitarmos, criaremos ou reforçaremos a dualidade polarizada em opostos e energias antagônicas e continuaremos perpetuando a visão dualista do mundo. Devemos descobrir e nos relacionar com a nossa Hécate interior, como a Guardiã da nossa consciência, do nosso lado sombrio e, ao estabelecer uma relação com ela, confiar na sua proteção, ajuda e orientação. Somente assim permitiremos uma melhor percepção das riquezas e possibilidades do nosso mundo inferior pessoal, nos tornando seres integrados, capazes de lidar com as nossas polaridades, sem projetar de imediatos conceitos dualistas do “bem” e “mal” nos eventos e nas pessoas.
 
Atualmente podemos nos relacionar com Hécate sem preconceito ou medo, honrando-a como Guardiã do nosso inconsciente, que tem nas mãos a chave dos reinos sombrios existentes em nós e que traz a tocha para iluminar as profundezas do nosso ser interior. Em função das nossas próprias memórias de repressão e dos medos impregnados no inconsciente coletivo, o contato com a Deusa Escura pode ser atemorizador por acessar a programação negativa que associa escuridão com mal, perigo, morte. Para resgatar as qualidades regeneradoras, fortalecedoras e curadoras de Hécate precisamos reconhecer que as imagens destorcidas não são reais, nem verdadeiras, que nos foram incutidas pela proibição de mergulhar no nosso inconsciente, descobrir e usar nosso verdadeiro poder.
A conexão com Hécate representa para nós um valioso e poderoso meio para acessar a intuição e o conhecimento inato, desvendar e curar nossos processos psíquicos, aceitar a passagem inexorável do tempo e transmutar nossos medos perante o envelhecimento e a morte. Hécate nos ensina que o caminho que leva à visão sagrada e que inspira a renovação passa pela escuridão, o desapego e transmutação. Ela detém a chave que abre a porta dos mistérios e do lado oculto da psique; Sua tocha ilumina tanto as riquezas, quanto os terrores do inconsciente, que precisam ser reconhecidos e transmutados. Ela nos conduz pelas armadilhas da escuridão e nos revela o caminho da renovação e salvação. Porém, para receber Seus dons visionários, criativos ou proféticos, precisamos mergulhar nas profundezas do nosso mundo interior, encarar o reflexo da Deusa Escura dentro de nós, honrando Seu poder e Lhe entregando a guarda do nosso inconsciente.

Ao reconhecermos e integrarmos Sua presença em nós, Ela irá nos guiar nos processos psicológicos e espirituais e no eterno ciclo de morte e renovação. Porém, devemos sacrificar ou deixar morrer o velho, encarar e superar medos e limitações; somente assim poderemos flutuar sobre as escuras e revoltas águas dos nossos conflitos e lembranças dolorosas e emergir livres e leves para um novo ciclo.

Mirella Faur